Terrível também é o despreparo que a imprensa (trato, em especial, da brasileira) tem demonstrado na cobertura da tragédia e dos esforços no tratamento dos feridos e na busca por sobreviventes. Na virada dos anos 10 (2010), a sensação que se tem é a que jornalistas se tornaram gerenciadores de e-mail: simplesmente pegam a notícia já pronta de outro lugar (normalmente um veículo de imprensa estrangeiro) e encaminham em sua própria mídia. Basta esperar que uma boa alma faça o trabalho investigativo ou juntar pílulas desconexas de informação catadas no Google e publicar do seu jeito. E o telefone sem fio vai seguindo...
Mas desconfio que a falta de pesquisa e de investimento em originalidade e conceito não se resume apenas aos jornalistas, mas a toda a cadeia editorial de uma forma geral. Ontem, ao passar por uma banca de revistas, me deparei com uma situação curiosa, que hoje descobri já ter se tornado burburinho na lista Design Gráfico e em blogs pela internet. O amigo jornaleiro dispôs lado a lado as revistas semanais Época e Veja, incentivando a confusão entre seus clientes. Observe abaixo:
Ambas as revistas, lançadas no último final de semana, utilizaram a mesma fotografia (obviamente comprada de agências de notícias internacionais) e publicaram praticamente a mesma capa! Santa originalidade, Bátima!
Não entro aqui nem no mérito do gosto duvidoso da imagem chocante da mão de uma vítima pendendo entre ferragens e destroços. Mas segundo publicou o Portal Imprensa na última segunda-feira (18), a mesma fotografia já havia sido utilizada em matéria do periódico canadense Le Journal de Montreal no último dia 14 e no londrino The Times, ilustrando a matéria de capa. Vale à pena ler a notinha completa no Portal Imprensa (OK, também estou reblogando techos de notícias de vários lugares aqui, mas eu não sou jornalista...).
Mais uma curiosidade: no dia 15 de janeiro, o blog Faz Caber – mantido pela equipe de direção de arte revista Época – seguiu seu ritual semanal e publicou as opções de layout de capa para a última edição, com o seguinte texto:
sex, 15/01/10por Equipe Faz Caber |Tema: terremoto no Haiti
Pra fazer uma capa de uma cobertura jornalística de uma tragédia grande como a que ocorreu no Haiti, é necessário mergulhar com profundidade nas pesquisas de imagens. Ficar ligado 24hs na internet, TV e jornais. O olhar tem que estar treinado para cortar, ver detalhes e imaginar como aquela foto pode encaixar na capa. Das opções que estão aqui, umas são emocionantes e outras mais chocantes. Vou colocar em ordem de criação. Conforme foram surgindo imagens novas, capas novas foram criadas.
\ Bonito, não? Mas a postagem acima passou a soar extremamente irônica quando a Veja apareceu nas bancas (afinal, tanto treinamento à Sr. Miyagi, e o resultado final foi o mesmo!). Obviamente, os comentários a respeito foram tantos que, passado o final de semana, a equipe de arte se "justificou" no próprio blog:
Equipe Faz Caber:
18 janeiro, 2010 as 2:42 pm
Caros leitores
Se alguém quizer [sic!!!] fazer alguma pergunta específica sobre as capas fiquem à vontade. Algumas curiosidades: a TIME e NEWSWEEK em 60 anos de publicação repetiram 3 vezez a mesma imagem da capa. A Época tem 10 anos e esta foi as primeira vez que aconteceu da mesma foto ser publicada na capa da Veja.
Daria para comprar a foto com exclusividade? Em alguns casos sim. Por exemplo: na nossa capa do Michael Jackson pagamos para ter a foto com exclusividade, mas era uma foto antiga, não era a foto dele sendo levado para o hospital (como todos publicaram na época). No caso de agências de notícia acho um pouco mais difícil, as fotos são distribuídas simultaneamente para o mundo inteiro. Todos da imprensa mundial têm acesso, mas exclusividade neste caso não.
A gente fica na torcida para que aquela foto da capa que foi escolhida mais ninguém ache. Até sexta nenhum jornal brasileiro tinha publicado aquela foto da mão. Nem sabíamos que um jornal de Montreal tinha publicado.
MM
\ Enfim, parando para analisar, ao menos a capa da Época é mais limpa, agradável. A poluição visual tradicional da Veja fez ainda mais uma vítima para aqueles que levam o Design um pouco mais a sério: a Dra. Zilda Arns! A brilhante idealizadora da Pastoral da Criança ministrava uma palestra no Haiti quando foi vítima do terremoto do dia 12. Na capa do periódico da ed. Abril, Arns aparece sorridente no rodapé da folha, dando um até loguinho para seus fãs, quase que tentado alcançar a mão negra que pende sem vida – no melhor estilo "vamos todos dar as mãos" –, como que para tentar subir para o meio da página. Para aqueles que acreditam que não há como piorar uma besteira feita, taí a prova!
2 comentários:
Acho excelente este argumento de que "aconteceu lá fora três vezes, que que tem?". Se lá fora foi igualmente um erro, porque querer se respaldar neste fato? Será que até os erros a gente tem que comprar de fora?
Afinal, errar é humano. E nessas horas humanismo é fundamental.
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